Cientistas dos Estados Unidos e do Reino Unido descobriram na Antártida um ecossistema isolado num lugar onde até então achava-se que nada pudesse viver: um lago de água supersalgada encerrado sob 400 metros de gelo num dos piores desertos do mundo.
Ali, debaixo da geleira Taylor, uma estranha comunidade de bactérias evolui em total isolamento e sem nenhum oxigênio há pelo menos 1,5 milhão de anos. A dieta desses microrganismos consiste unicamente de compostos de ferro e enxofre.
Benjamin Urmston |
Frente da geleira Taylor, na Antártida, com as Blood Falls (Cachoeiras de Sangue, em inglês), vermelhas devido à ferrugem |
Saber como eles têm prosperado num ambiente tão extremo pode ajudar a entender a vida em outros planetas e no passado da própria Terra, quando --acredita-se-- um manto de gelo cobria boa parte do globo.
O grupo de pesquisadores liderado por Jill Mikucki, da Universidade Harvard (hoje no Dartmouth College), chegou até os micróbios estudando o não menos estranho fluxo de salmoura que de tempos em tempos escorre da frente do glaciar, nos Vales Secos de McMurdo, uma das regiões mais áridas da Antártida.
Essa água salgada é tão rica em ferro que, em contato com o ar, enferruja imediatamente, manchando o gelo. Os primeiros exploradores da região batizaram o fenômeno de Blood Falls (Cachoeiras de Sangue, em inglês), e atribuíram a coloração do gelo a algas.
Mikucki já desconfiava que pudesse haver vida ali, e desde 2004 ela coleta amostras de gelo nas Blood Falls. Foi preciso tempo e paciência, no entanto, para que ela e seus colegas conseguissem pôr as mãos na salmoura: seu fluxo a partir da piscina de água salgada na base da geleira é irregular e regido por fatores desconhecidos.
"Quando eu comecei a fazer a análise química, não havia oxigênio", afirmou a pesquisadora em um comunicado à imprensa. "Foi aí que as coisas começaram a ficar interessantes."
Análises genéticas do material, cujos resultados são publicados hoje no periódico "Science", mostraram que uma comunidade com poucas espécies de bactérias habita a salmoura. Elas são parentes de bactérias marinhas comuns, mas, ao mesmo tempo, são extremamente diferentes. Usam compostos de enxofre (sulfatos) para ajudá-las a "respirar" ferro, um truque metabólico inédito.
Os pesquisadores acreditam que essa peculiaridade evolutiva seja consequência de centenas de milhares de anos de isolamento. Os ancestrais dessas bactérias provavelmente viviam no mar há milhões de anos, antes de os Vales Secos se erguerem, aprisionando uma porção de mar na forma de uma laguna. Há cerca de 1,5 milhão de anos, a geleira Taylor avançou, cobrindo essa laguna, que não congela por ser quatro vezes mais salgada que o oceano.
Fonte: Folha Online
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