Ao ver o primeiro corpo doado por vontade própria ao Departamento de Anatomia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, em setembro do ano passado, a dentista Thelma Parada, 31, agiu com naturalidade.
Ainda que o cadáver fosse de sua avó paterna, Eunice, uma senhora de 85 anos que guardava desde 1978 a carta de consentimento de doação voluntária de seu corpo à ciência. "Fiquei orgulhosa de ser neta dessa pessoa, que pensava na ciência e no progresso da humanidade", diz.
Ela pediu autorização para dissecar o corpo da avó e foi responsável por fazer o primeiro corte no cadáver. Depois, o corpo ficou mergulhado em formol por alguns meses para ficar mais anatômico e, agora, é dissecado pelos alunos do departamento.
"Desde então, eu sou a única pessoa da família que vê a minha avó. Pelo menos uma vez por mês eu passo no laboratório para ver como andam as coisas. Consigo enxergar [o corpo] como um material muito rico, eu sofro muito mais ao ver um corpo ser enterrado", explica.
Thelma, que já fez sua carta de consentimento, defende a doação voluntária de corpos para melhorar os estudos de anatomia, disciplina que leciona na Unip. "As faculdades têm cada vez menos corpos, o processo é lento no caso de indigentes; as pessoas precisam se conscientizar sobre isso", alerta.
Sua avó sonhava em estudar medicina, mas foi proibida pelo pai e decidiu que "ajudaria a ciência pelo menos depois de morta".
Eunice solicitou aos familiares que não a velassem no dia de sua morte. Depois que morreu, seu corpo foi encaminhado diretamente para o Serviço de Verificação de Óbito de São Paulo e, de lá, para a USP. Os parentes se reuniram em casa.
"O fato de eu sempre ter lidado bem com a morte e ter gostado tanto de estudar anatomia deve ser influência da minha avó", diz Thelma.
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